sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Kitaro Nishida

 
O ritmo da verdade é como uma fortaleza inquebrantável. A aspiração verdadeira para a conscientização das possibilidades mais elevadas deveria encher a maior parte da vida de um homem, como uma mais necessária e atraente ocupação. Mas a luz da verdade é substituída pelas fórmulas convencionais das religiões e as ilusões de facilidade dos preguiçosos; e o homem, que é por vocação um pensador, curva-se ante um canto escuro, e cobre-se com idéias de realizações fáceis e desprezo pelo pensamento avançado, sem nem mesmo saber que nestas imagens de facilidade apenas projeta seu medo. Repeti isto a todos os que dormem na escuridão do convencionalismo cômodo e na ilusão dos vendedores de facilidade.
 
 
 

Todas as Iogas precedentes tomavam como base uma certa qualidade de vida; mas agora é necessária uma Ioga abrangendo a essência de toda a vida. Tudo incluindo e nada evitando, exatamente como relatava a lenda bíblica sobre os jovens que não se queimavam quando, corajosamente, se sacrificavam na fogueira e, por isso, recebiam o poder.
 
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O eminente filósofo japonês Kitaro Nishida (1870-1945), contribuiu para o Zen-budismo de maneira análago á contribuição de Jaques Maritain em favor da filosofia católica. Construiu, dentro de sua própria tradição mística e na base das suas intuições tradicionais e espirituais, filosofia que fala ao mesmo tempo ao homem moderno - inclusive o do Ocidente - e permanece aberta á mais elevada sabedoria que procura em Deus. O Dr. Daisetz Suzuki disse com razão que é difícil compreender Nishida se não se tem algum conhecimento do Zen. Por outro lado, certas noções de fenomenalogia existencialista poderão servir como preparação para compreender o único livro de Nishida até agora traduzido para o inglês - sua primeira obra - A Study of God.


 
Como Merleau-Ponty, Nishida se preocupa com a estrutura primária da consciência e procura preservar a unidade existente entre o consciente e o mundo externo nele refletido. O ponto de partida para Nishida é a ''experiência pura'', ''experiência imediata'' de unidade indiferenciada que, de fato, é o oposto do ponto de partida de Descartes em seu cogito.


 
Descartes acha sua intuição básica na autoconsciência refletida do sujeito individual pensante, mantendo-se, por assim dizer, fora e separada de outros objetos de conhecimento. Do ponto de partida do pensamento refletido, o sujeito toma os conceitos abstratos de si e de seu ser como objetos - cogito ergo sum. Para Nishida (como, noutro contexto, para Maritain) o que vem em primeiro lugar é a intuição ''unificante da unidade básica do sujeito e do objeto no ser - ou uma profunda apreensão da vida em sua existencialidade concreta ''na base do consciente''. Essa unidade básica não é um conceito abstrato mas é o próprio ser - carregado do dinamismo do espírito. Nesse sentido, poderíamos adiantar que o ponto de partida de Nishida é um ''sum ergo cogito''. Contudo, isso deve ser tomado como o tentador grão de sal do Zen: ''Eu sou'', mas quem é esse ''eu''? A realidade fundamental não é nem interna nem externa, nem objetiva, nem subjetiva. Antecipa toda diferenciação e contradição. O Zen o denomina ''Vazio'' (Sunnyata). A madura apreensão do vazio primordial em que todas as coisas são uma só é ''prajna'' ou sabedoria.

 
 
Post Scriptum

 
Daisetz Suzuki (1870) propôs que passássemos finalmente da atitude convencional para a "metafísica". Ele descreve:


O método científico no estudo da realidade é ver um objeto do ponto de vista objetivo. Por exemplo: uma flor em cima da mesa à nossa frente, pode ser objeto de estudo científico. Os cientistas a submeterão a todo tipo de análises: botânica, química, física, etc. – e nos dirão tudo o que descobriram sobre a flor do ponto de vista de seus respectivos ângulos de estudo; dirão que o estudo da flor foi exaustivo e que nada mais há a dizer sobre ela, a não ser que, por acaso, seja descoberto algo novo no decorrer de muitas análises.

Portanto, a principal característica que distingue a abordagem científica é a descrição do objeto, é discorrer sobre ele, é analisá-lo sob vários ângulos. Mas ainda permanece a questão: ‘Será que o objeto todo foi de fato apreendido nessa rede?’ E eu diria decididamente que não, porque o objeto que pensamos ter apreendido nada mais é do que a soma de suas abstrações, e não o objeto em si mesmo…

O processo científico mata o objeto, assassina-o e, ao dissecar o cadáver e juntar as partes outra vez, tenta reproduzir o corpo vivo original, e esse efeito é impossível.


BERENDT, Joachim-Ernst. Nada Brahma, A música e o universo da consciência. Editora Cultrix. pp. 244-5




Post Scriptum

 


 
 

 



 
 
O Japão de Nishida



 
Nishida Kitaro (1870-1945) nasceu no começo da Era Meiji (1868-1912), quando o Japão abriu suas portas para o Ocidente depois de dois séculos e meio de isolamento. Neste momento, o Japão estava em uma situação difícil causada pelos outros países, pois os Estados Unidos estavam se expandindo a oeste de seu continente, a França e a Inglaterra estavam se expandindo na Ásia e na África e seus mais próximos vizinhos eram a China e a Rússia, países de proporções continentais, assim só havia dois destinos para o povo japonês: se tornar um peão do imperialismo europeu e americano ou se tornar um império asiático à sua forma, através de uma enorme reconstrução social, política, econômica e científica. E, como sabemos, a segunda opção foi a tomada.

Já no incipiente século XX, não havia mais volta desta decisão. Pois, os japoneses haviam derrotado a China (1894-1895) e a Rússia (1904-1905) em duas guerras e feito um grande pacto com a Inglaterra. Pelo crescimento da sociedade industrial do Japão, foi necessário cada vez mais expandir sua influência e poder pela Ásia e Pacífico por matérias-primas. Desta forma, reforçou seu poder imperialista e se envolvendo em várias seqüências de eventos iria desencadear na Segunda Guerra Mundial.
 

Os primeiros intelectuais da era Meiji esperavam ser possível desenvolver o país, ou seja, modernizá-lo sem mudar seu sistema de valor cultura, como Sakuma Shosan (1811-1864) expressava em sua famosa frase: "técnicas ocidentais, moral oriental". Mas, quanto mais se aprofundava os estudos sobre o pensamento ocidental, mais os estudiosos ficavam céticos quanto a questão de a moral e da religião não acompanharem as mudanças sócio-político-econômicas.


O problema do Japão e a solução de Nishida
Neste momento da história do Japão, não se há resposta para a questão de o que se fazer com a moral e a religião japonesa, uns pensavam ainda como Sakuma Shosan, outros ainda diziam para o Japão se cristianizar, pois, no Ocidente, cristianismo e ciência se desenvolveram tão intimamente que já estariam interligados. Fato é que o Japão não poderia mais ter uma face da ciência e tecnologia e outra para os valores tradicionais japoneses, pois sofreria de uma esquizofrenia cultural, a "Terra do Sol Nascente" precisava ter um rosto apenas, mas não uma mera escolha de lados e exclusão do outro e, sim, um rosto que abraçasse a ambos os lados, a ambas as idéias. E este rosto foi mostrado primeiramente em "A Study of Good" (1911) por Nishida Kitaro.

Em seu livro, se viu deparado não com um problema cultural, mas um problema fundamental para a filosofia, o Japão não teria que se tornar cristão para se desenvolver melhor, isto mesmo seria um erro ocidental em relação ao fato e o valor, respectivamente, a como vê seu empirismo e sua moralidade (religião e arte).

Nishida viu que esta separação entre fato e valor, empirismo e moralidade era já uma grande divergência entre o pensamento japonês e o ocidental. Assim, bastava, como solução, juntá-las de volta, mas, para isto, Nishida usou a noção de "experiência pura", que achou nos escritos de William James, para "articular a fluência da experiência comum através da unidade que está sob ambas as empresas da experiência e dos valores"[1]. No fundo, ciência e moralidade compartilham o mesmo caminho ("a vontade") para a unidade, o que Nishida chama de "intuição intelectual".
 

Desta maneira, o dilema fato/valor também satisfez às idéias do Zen budismo, pois traz a unidade original da experiência de volta. Ou seja, "A Study of Good" conseguiu satisfazer a muitos unindo tais extremos, acabou por se tornar popular entre os intelectuais japoneses, pois fez da filosofia algo japonês e, assim, nasceu a Escola de Kyoto.

[1]KASULIS, Thomas in: CARTER, Robert E. The nothingness beyond god. Paragon house. 1997. P. 13
 

 
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